segunda-feira, 27 de junho de 2011

O primeiro espetaculo da companhia, no teatro CEMEC em Mairinque, fevereiro 2011, "Poema negro" de Augusto dos Anjos.

Direção e concepção cênica de Antonio Victorio, trilha sonora de Marc Gadú, interpretação teatral de  Dida Gadú e preparação de atriz de Cecéu Trajano.



                                                         Fotos de Carlos Nêgo - Mairinque

"Poema Negro" de Augusto dos Anjos.

Para iludir minha desgraça, eu estudo.
Intimamente eu sei que não me iludo.
Para onde vou (o mundo inteiro o nota)
Nos meus olhares fúnebres, carrego
A indiferença estúpida de um cego
E o ar indolente de um chinês idiota!

A passagem dos séculos me assombra.
Para onde irá correndo minha sombra
Nesse cavalo de eletricidade?!
Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:
 Quem sou? Para onde vou? Qual a minha origem?
E parece-me um sonho a realidade

Surpreendo-me, sozinho, numa cova.
Então meu desvario se renova.
E como que, abrindo todos os jazigos,
A Morte, em trajos pretos e amarelos,
Levanta contra mim grandes cutelos
E as baionetas dos dragões antigos!

E quando vi que aquilo vinha vindo
Eu fui caindo como um sol caindo
De declínio em declínio; e de declínio
Em declínio, com a gula de uma fera,
Eu quis ver o que era, e quando vi o que era,
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!

Chegou a tua vez, oh! Natureza!
Eu desafio agora essa grandeza,
Perante a qual meus olhos se extasiam...
Eu desafio, desta cova escura,
No histerismo danado da tortura
Todos os monstros que os teus peitos criam.

Tu não és minha mãe, velha nefasta!
Com o teu chicote frio de madrasta
Tu me açoitaste vinte e duas vezes...
Por tua causa apodreci nas cruzes,
Em que pregas os filhos que produzes
Durante os desgraçados nove meses!

Semeadora terrível de defuntos,
Contra a agressão dos teus contrastes juntos
A besta, que em mim dorme, acorda em berros
Acorda
, e após gritar a última injúria,
Chocalha os dentes com medonha fúria
Como se fosse o atrito de dois ferros!

Pois bem! Chegou minha hora de vingança.
Tu mataste o meu tempo de criança
E de segunda-feira até domingo,
Amarrado no horror de tua rede,
Deste-me fogo quando eu tinha sede...
Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo!
 

De súbito outra visão negra me espanta!
Estou em Roma. É Sexta-feira Santa.
A treva invade o obscuro orbe terrestre.
No Vaticano, em grupos prosternados,
Com as longas fardas rubras, os soldados
Guardam o corpo do Divino Mestre.

Como as estalactites da caverna,
Cai no silêncio da Cidade Eterna
A água da chuva em largos fios grossos...
De Jesus Cristo resta unicamente
Um esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente
Sente vontade de abraçar-lhe os ossos !

Não há ninguém na estrada da Ripetta.
Dentro da Igreja de São Pedro, quieta,
As luzes funerais arquejam fracas...
O vento entoa cânticos de morte.
Roma estremece! Além, num rumor forte,
Recomeça o barulho das matracas.

A desagregação da minha idéia
Aumenta. Como as chagas da morféa
O medo, o desalento e o desconforto
Paralisam-se os círculos motores.
Na Eternidade, os ventos gemedores
Estão dizendo que Jesus é morto!                 

Não! Não! Jesus não morreu! Vive na serra
Da Borborema, no ar de minha terra,
Na molécula e no átomo... Resume
A espiritualidade da matéria
E ele é que embala o corpo da miséria
E faz da cloaca uma urna de perfume.

Na agonia de tantos pesadelos
Uma dor bruta puxa-me os cabelos,
Desperto. É tão vazia a minha vida!
No pensamento desconexo e falho
Trago as cartas confusas de um baralho
E um pedaço de cera derretida!

Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme. 
Eu, somente eu, com a minha dor enorme
Os olhos ensangüento na vigília!
E observo, enquanto o horror me corta a fala,
O aspecto sepulcral da austera sala
E a impassibilidade da mobília. 



Meu coração, como um cristal, se quebre                                                                                 
Torne-se gelo o sangue que me abrasa.
O termômetro negue a minha febre,
E eu me converta na cegonha triste
Que das ruínas duma casa assiste
Ao desmoronamento de outra casa!

Ao terminar este sentido poema
Onde vazei a minha dor suprema
Tenho os olhos em lágrimas imersos...
Rola-me na cabeça o cérebro oco.
Por ventura, meu Deus, estarei louco?
Daqui por diante não farei mais versos.



SacraMistura, a Genesis.

O universo conspira e reúne, a seu tempo, mentes inquietas e criativas com a finalidade de cumprirem sua mais sagrada missão, produzir arte, proporcionando questionamento e auto conhecimento.
Esta sincronicidade realizou, em outubro de 2010 o encontro de Marc Gadú, músico e produtor vindo de São Paulo em 2010 para fixar residência em Alumínio, Dida Gadú, atriz paulistana, Cecéu Trajano diretor da Cia Ateliê das Artes- teatro experimental e arte educador, e Antonio Victorio, bonequeiro e cenógrafo teatral, também vindo do mercado teatral paulistano e residente em Mairinque desde 2002.
Estava materializada a energia que criou em janeiro de 2011 o SacraMistura, companhia teatral do município de Alumínio, o mais novo braço da Cia Ateliê das Artes - teatro experimental, coletivo com 12 anos de história.em espetáculos teatrais e projetos sociais  ( www.ciaateliedasartes.com.br )
Filosofia estabelecida, objetivos traçados, os planos começaram a se formar e logo a companhia começou a produzir para alcançar sua meta para 2011: um espetáculo adulto e três espetáculos infantis temáticos.
O espetáculo adulto:
A interpretação de um poema de Augusto dos Anjos "Poema negro".

Os espetáculos infantis:

"O principe feliz", adaptação do texto de Oscar Wilde, tem como temática a Solidariedade.
"Ludens, a cidade dos bonecos", uma adaptação do livro de Eraldo Miranda, escritor e pesquisador de Alumínio, tem como tema a Inclusão social.
"A bela gotinha adormecida", também adaptação de um livro de Eraldo, tem como temática a Conservação de recursos hidricos.    

A companhia, com a missão de produzir espetáculos com linguagem própria, multidisciplinar, com artistas da micro-região, logo incluiu em seu casting Patrick Gadú - digital designer,  Eduardo Cruz - ator de AlumínioRosana Moraes - atriz de Mairinque e Binho Dobar Zvuk - músico também de Mairinque.

"O dom artístico representa 1%, o restante é suor !" * (Claudio Stephan)

Marc Gadú
Junho 2011